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quarta-feira, 16 de maio de 2012

Ilustres Parlamentares: A PRINCESA ISABEL FEZ A PARTE DELA!




Deputados querem mais 15 dias para votar PEC do trabalho escravo
Votação da proposta que expropria terras onde é encontrada mão de obra escrava é adiada mais uma vez depois de mais de 10 anos de tramitação.

Por Raquel Júnia - Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz)

Ainda não foi dessa vez que os responsáveis por submeter trabalhadores à escravidão no Brasil sofreram uma derrota. Na pauta de votações da semana passada na Câmara dos Deputados, a PEC 438, de origem do Senado e autoria do ex-senador Ademir Andrade (PSB/PA), que expropria terras rurais e urbanas onde são encontrados trabalhadores em condições análogas à de escravidão, teve sua votação adiada mais uma vez. O presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS) havia prometido a votação para a semana passada, com ou sem acordo entre os parlamentares. No entanto, a maioria dos partidos apoiou proposta do líder do PMDB na Câmara, deputado Henrique Eduardo Alves, de que a votação seja realizada no dia 22 de maio.

A PEC tramita desde 2001, já foi aprovada em primeiro turno na Câmara em 2004 e terá que passar ainda pela aprovação do Senado, casa de origem da proposta. O texto determina que as terras onde forem encontradas situações de escravidão serão expropriadas sem indenização do proprietário, e destina essas áreas à reforma agrária ou a projetos de habitação popular. A pressão de movimentos sociais, parlamentares e artistas em defesa da PEC se intensificou nesta semana, com a entrega ao presidente da Câmara de um abaixo-assinado com quase 60 mil assinaturas em favor do pleito. Nem isso e nem o apoio público de três ministros à proposta - Maria do Rosário (Direitos Humanos), Luiza Barros (Igualdade Racial) e o recém empossado Brizola Neto (Trabalho) - foi suficiente para convencer os deputados a votarem a PEC.



Pressão da bancada ruralista

Na sessão extraordinária na noite de ontem, 9 de maio, quase todos os deputados que se pronunciaram afirmaram ser contrários à prática do trabalho escravo. Mas apenas dois partidos, Psol e PCdoB, se manifestaram pela votação da proposta imediatamente. Outros representantes partidários também lamentaram o adiamento da decisão, mas consideraram que seria arriscada a votação ontem por conta do baixo quórum - 338 presentes no início da sessão - suficiente para aprovar a matéria, mas ainda assim com a ausência de muitos parlamentares, o que poderia significar uma derrota.

Em entrevista antes do adiamento da votação, o deputado federal Claudio Puty (PT-PA), presidente da CPI do trabalho escravo, afirmou que um dos principais desafios era justamente garantir o quórum da sessão, uma vez que havia um burburinho de que a bancada ruralista estaria instruindo os deputados a esvaziarem o plenário. "A bancada ruralista vive um momento de muita auto-confiança e agressividade política e nós avaliamos que o desafio é conseguir o quórum", disse.

Na sessão do dia 9, alguns deputados alegaram que a caracterização do que é considerado trabalho escravo não está bem definida e por isso queriam adiar a votação da PEC. "Por exemplo, se o fiscal encontra um trabalhador que está bebendo a mesma água que um animal bebe, pode dizer que isso é trabalho escravo e não é", exemplificou o deputado Nelson Marquezelli (PTB-SP), sobre o que ele considerou como uma falta de critérios para identificar trabalhadores escravizados. No dia 8, quando a PEC também deveria ter ido à votação, Marquezelli já tinha adiantado em pronunciamento na Câmara que votaria contra a proposta. Outros parlamentares fizeram coro com o deputado ao criticar a suposta falta de critérios, dizendo que, por exemplo, o fiscal pode confundir a preferência do trabalhador por dormir na rede e não em uma cama, como indício de trabalho escravo.

Em contraposição a este pensamento, deputados ressaltaram que o crime de trabalho escravo já está bem caracterizado na legislação infra-constitucional brasileira - neste caso, no Código Penal - e que, portanto, não há necessidade de novas definições. De acordo com o artigo 149 do Código Penal, uma situação é considerada de trabalho escravo quando uma pessoa é submetida a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, condições degradantes de trabalho, ou ainda é restringida por qualquer meio sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou intermediário. A lei diz ainda que incorre no crime de reduzir alguém à condição análoga à de escravidão quem cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho, bem como mantêm vigilância ostensiva ou se apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador com o fim de retê-lo neste local.

Antes do encerramento da sessão, o deputado Chico Alencar (Psol-RJ) lembrou que o fato da PEC do trabalho escravo já ter sido aprovada em primeiro turno, impede que o texto seja modificado e que, por isso, o adiamento da votação não possibilitará nenhuma mudança na proposta. O deputado pediu esclarecimento ao presidente da Câmara sobre o que seria feito nesse período até o dia 22 de maio. "Quero saber o que será negociado, já que não se pode modificar o texto", questionou. Marco Maia respondeu que o diálogo com os deputados sobre o tema continuará e que pode ser que dessa conversa surja um projeto de lei que ajude a deixar ainda mais clara a definição de trabalho escravo, já que não há consenso entre os deputados. Chico Alencar ironizou: "Quando a Princesa Isabel assinou a Lei Áurea ela também encontrou resistência dos escravocratas, mas nenhum deles teve coragem de pedir para ela definir o que era considerado trabalho escravo".

Na tarde do dia 9, antes da sessão que votaria a PEC, Marco Maia já tinha conduzido negociações junto aos Senadores para que quando a proposta volte para o Senado seja aprovada uma emenda que garanta que a PEC só produza efeitos após uma normatização.

CPI

Há cerca de um mês e meio foi instalada na Câmara, a CPI do trabalho escravo. Segundo o presidente da Comissão, deputado Claudio Puty, um dos objetivos da CPI é mobilizar a opinião pública sobre o tema. "Um dos riscos do trabalho escravo é justamente a banalização. É o que não queremos que aconteça porque não obstante as medidas tomadas nos últimos anos, o trabalho escravo persiste e se espalha para o meio urbano", fala.

O parlamentar destaca que apesar de milhares de trabalhadores libertados nos últimos anos pelo Ministério do Trabalho - mais de 39 mil entre 1995 e 2010 - apenas duas pessoas foram condenadas pelo cirme. De acordo com ele, a CPI ouvirá réus envolvidos nos casos de escravidão, vítimas e empresas, tanto as envolvidas em denúncias de escravidão, quanto as que assinaram o pacto pela erradicação do trabalho escravo.

Segundo Claudio Puty, pelo que a CPI já avançou, foi possível analisar que o Brasil vem tentando combater o trabalho escravo. "O desenho institucional é bom, temos dois planos nacionais, temos o grupo móvel de fiscalização do Ministério do Trabalho, a lista suja, temos uma boa mobilização da sociedade civil. Mas o pano de fundo é a miséria. E aí temos um dever de casa a fazer enquanto país, que é erradicar bolsões de miséria que são as fábrica de mão de obra desqualificada, desinformada e fragilizada que supre este mercado de trabalho nefasto", ressalta.

O deputado observa que a caracterização do trabalho escravo no Código Penal é proveniente de definições de Convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT) realizadas desde a década de 1930. "Em 2003 o artigo do Código Penal sobre trabalho escravo foi emendado estabelecendo características mais precisas do que é o trabalho escravo. É com base nesse artigo que as equipes móveis elaboram a lista suja e autuam os proprietários. Há casos de trabalho escravo que não há escravidão por dívida, mas há trabalho degradante. Por exemplo, os trabalhadores estão bebendo água suja junto com os animais ou estão numa fazenda em que há milhares de cabeças de gado, mas passam meses comendo arroz e feijão todos os dias, só comem carne quando o gado foi atropelado. Isso é trabalho degradante", define.

Puty critica a banalização com que alguns deputados tratam os critérios de fiscalização. "Eles desqualificam dizendo que é considerado trabalho escravo quando o colchão do trabalhador é mais curto rês centímetros do que deveria ser ou quando os trabalhadores estão tomando água no riacho. Mas não se trata disso e sim de transgressões graves aos direitos humanos que ultrapassam os problemas da legislação trabalhista. Eles utilizam muito o argumento de que os trabalhadores já moram muito mal e que quando vão trabalhar podem sim ficar no barracão. Aí, de cara, já há um problema trabalhista porque independente das condições de vida do trabalhador, o empregador tem por obrigação oferecer condições de trabalho dignas", diz. Puty acrescenta que a identificação de problemas trabalhistas, não significa necessariamente que os trabalhadores estão sendo escravizados e que esta distinção é feita pelos fiscais do Ministério do Trabalho.

Atlas do trabalho escravo

Para o presidente da CPI do trabalho escravo, o principal motivo para haver escravidão no Brasil é a pobreza e, junto com ela, a concentração fundiária e consequentemente a falta de condições dignas de vida e trabalho. "Não é a toa que o Maranhão é um dos campeões de concentração fundiária e um dos estados que mais tem trabalhadores escravizados. A Lei de Terras criada pelo governador José Sarney em 1966 promoveu uma enorme concentração fundiária no Maranhão e isso é a base do não desenvolvimento de uma agricultura familiar mais pujante", avalia Claudio Puty.

De acordo com o Atlas do Trabalho Escravo no Brasil, divulgado no mês de abril pela ong Amigos da Terra Amazônia, o perfil típico do escravo brasileiro do século XXI é "um migrante maranhese, do Norte do Tocantins, ou oeste do Piauí, de sexo masculino, analfabeto funcional, que foi levado para as fronteiras móveis da Amazônia, em municípios de criação recente, onde é utilizado principalmente em atividades vinculadas ao desmatamento". O documento, elaborado pelos pesquisadores Hervé Théry, Neli Aparecida de Mello, Eduardo Paulon Girardi e Julio Takahiro Hato, traz um estudo detalhado dos fluxos do trabalho escravo, bem como as associações com determinadas atividades produtivas como o desmatamento, a carvoaria, a mineração e a pecuária.

O Atlas apresenta dois índices- o de Probabilidade de Trabalho Escravo e o de Vulnerabilidade ao Aliciamento. O mapa do índice de probabilidade de escravidão mostra as regiões centro-oeste e norte como as mais destacadas, entretanto, há manchas de probabilidade em todas as regiões do Brasil. Os estados mais críticos são o Pará, Maranhão, Tocantins e Mato Grosso. "O mapa mostra que no oeste do Pará e no noroeste do Mato Grosso aparecem situações de municípios onde o índice é elevado, mas nos quais poucos casos de trabalho escravo foram denunciados e localizados. Estas áreas estão situadas na frente do ‘Arco do Desmatamento', onde se contratam homens para cortar com foices e facões os arbustos e cipós, antes da derrubada das árvores, exatamente uma das funções onde geralmente são encontrados trabalhadores em situação de escravidão. Visto que são lugares muito pouco acessíveis, é fácil entender por que as denuncias e as ações que decorrem delas são raras. Porém, pode-se pensar que se investigações fossem realizadas nestas regiões sem esperar por denúncias, provavelmente seriam encontrados trabalhadores escravizados", detalha o Atlas.

O mapa do índice de vulnerabilidade mostra as regiões norte e nordeste como as mais problemáticas. "Indiscutivelmente o grande ‘resevartório', a área mais procurada pelos ‘gatos' [aliciadores de escravos], é o Nordeste, e em especial o Maranhão, que neste caso é bem mais exposto que o Pará", afirmam os pesquisadores.

O estudo traz também outros cruzamentos de dados importantes para entender o problema da escravidão contemporânea. Um desses cruzamentos é o que relaciona as regiões de maior incidência de analfabetismo funcional e a naturalidade dos trabalhadores escravizados. Pela análise dos mapas é possível identificar uma clara coincidência entre as duas variáveis. É nos estados de Tocantins, Maranhão e o oeste do Pará, que possuem taxas de analfabetismo entre 50 e 92%, que nasceram o maior número de trabalhadores resgatados do trabalho escravo. O cruzamento entre o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) das regiões e a naturalidade dos escravos resgatados também revela que os locais com menor IDH são justamente os locais de nascimento da maior parte dos trabalhadores submetidos às condições de escravidão.

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