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sábado, 22 de outubro de 2011

É HORA DE REPENSAR A CARTA!



Por uma Constituinte exclusiva
Ives Gandra Martins - Jornal do Brasil

        Quando da saída do regime de exceção, em 1985, graças, fundamentalmente, ao trabalho dos advogados e da OAB,  no qual se utilizou, desde a década de 70, da arma da palavra, o tema dominante era a necessidade de uma Constituinte. Estou convencido de que os guerrilheiros apenas atrasaram o processo de democratização, porque parte deles treinada em Cuba e utilizando-se de armas erradas pretendia implantar um regime semelhante ao da mais antiga ditadura do continente.

        Quando todos os jornais eram obrigados a publicar receitas de bolos ou poemas de Camões em lugar de matérias censuradas, a OAB era a única instituição que, abertamente, lutava pela redemocratização, não cerceada em sua luta, o que permitiu  o fim do regime de exceção sem derramamento de sangue, na década de 80.


        Eleito o presidente Tancredo Neves e já no primeiro dia do mandato, assumindo o presidente Sarney a direção do país, a pressão por uma Constituição democrática foi de tal ordem que a EC n. 26/86 convocou uma  Constituinte, a meu ver derivada, que representou a vontade popular de um novo estatuto supremo. Nomeado para relatar o procedimento para a convocação, o então deputado Flávio Bierrenbach foi afastado da relatoria por ter pretendido criar uma Constituinte exclusiva, de tal maneira que prevaleceu a tese de que os parlamentares é que deveriam  elaborar a Constituição, muito embora não fosse desconhecido o fato de que, por ocuparem cargos do Legislativo, poderiam atuar na Constituinte em causa própria.

        O texto aprovado em 5 de outubro de 1988 com fantástica adiposidade de matéria não constitucional, mas com extraordinário elenco de disposições para manutenção do equilíbrio de poderes, tornou-se, de rigor, a mais democrática Constituição brasileira.Seu maior mérito foi consolidar o regime democrático no país, graças à harmonia e independência dos poderes. Seu maior demérito foi ter constituído uma Federação maior do que o PIB, que sufoca o cidadão que paga 35% de toda a riqueza anual para sustentar uma máquina burocrática esclerosada,  que se auto-outorga benesses que, uma vez concedidas, passam a ser constitucionalizadas e imutáveis. Esta é a razão pela qual a ideia de uma Constituinte exclusiva renasce para adequar a Federação brasileira à sociedade e a seu PIB.

        À evidência, uma Constituinte exclusiva necessitaria, como já disse em artigo para a Folha (Uma Constituinte exclusiva, 08/08/2006), que seus participantes não fossem políticos interessados em manter sua carreira pública, pois terminariam por escrever uma Constituição à sua imagem e semelhança, e não à imagem da sociedade e do povo. Para isto, haveria necessidade de uma grande movimentação popular para que os parlamentares fossem obrigados a elaborar uma convocação,  outorgando poderes a uma Constituinte exclusiva,  eleita pelo povo e cujos constituintes, uma vez elaborado o texto,  em prazo máximo de dois anos, voltariam para suas casas e não se candidatariam às eleições seguintes.

        Não há impedimento para que seja convocada tal assembleia para redefinir o perfil legal maior do país, desde que não fira as cláusulas pétreas do § 4º do artigo 60 do atual texto constitucional, a saber: a forma federativa; o voto direto, secreto, universal e periódico; a separação de poderes e os direitos e garantias individuais.

        Tenho a convicção  de  que o país, no que diz respeito à estrutura da Federação,  corre o risco de tornar-se ingovernável com as reivindicações crescentes e irresponsáveis da burocracia que, alheia à crise social e mundial, reivindica aumentos desproporcionais à realidade e benesses que tornam “a  sociedade não governamental” uma espécie de sociedade de “escravos da gleba”, sujeita aos novos senhores feudais do século 21,  ou seja,  à estrutura política e burocrática brasileira.

        Temas essenciais como a simplificação do sistema tributário; o enxugamento da máquina administrativa inchada;  a modernização do sistema previdenciário;  a adequação dos encargos trabalhistas à realidade moderna;  a eliminação das descompetitividades  interna e externa, fiscal e administrativa;  a implantação de controles efetivos sobre os três poderes, a reforma política e muitos outros pontos deveriam ser previamente definidos e,  uma vez eleita a Constituinte exclusiva, deveriam ser levados ao debate para que  a Constituição passasse a expressar a vontade popular em dotar o país de instrumentos viáveis para o progresso e a concorrência internacional.

        Não desconheço as dificuldades de os políticos cortarem em sua própria carne, delegando para uma Comissão de Notáveis, eleita pelo povo,  a elaboração do texto, pois  a eles compete a aprovação de emenda constitucional de convocação, mas estou convencido de que, se o movimento for deflagrado à luz do que os árabes estão demonstrando ao contestarem suas ditaduras, não haverá como o Congresso não se curvar ao apelo democrático popular.

        Enfim, estamos em novos tempos, e as ideias moralizadoras e purificadoras dos hábitos políticos devem ser estimuladas.

Ives Gandra Martins  é advogado. -  ivesgandra@gandramartins.adv.br

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