Quando a Ordem não é importante
Orlando Maluf Haddad
Somos cerca de 300.000 advogados inscritos no estado de São Paulo. Há cerca de 50 anos, não havia mais de que 30.000 colegas legalmente aptos a exercer a profissão, mas muito menos realmente dela sobrevivendo.
Há cinqüenta anos a Ordem dos Advogados do Brasil era uma jovem senhora de 30, com admirável historia que a tornou a entidade mais respeitada da república.
Nascida ao raiar de forte ditadura, desde criança foi obrigada a mostrar à nação a que viera, mercê da exemplar e imortal dedicação e competência de seus ícones que com ela cresceram na sua advocacia. Dentre outros, Evandro Lins e Silva e Heráclito Sobral Pinto mostraram ao país e ao mundo que a têmpera de um verdadeiro advogado contém bom senso, coragem, inteligência, conhecimento e dedicação às mais nobres causas individuais e coletivas.
Pautando suas vidas com admirável entrega pessoal e profissional à intransigente defesa de direitos humanos e de todos os preceitos democráticos que constituem o apanágio de uma livre sociedade, Sobral e Evandro muito cedo se tornaram a estrela-guia da advocacia brasileira, o paradigma de uma Ordem desde o inicio destinada a participar decisivamente da vida democrática de todos os brasileiros.
Muitos os sucederam , nenhum deixou de reverenciar seus exemplos dignificantes que se concretizaram em pétreos parâmetros da cidadania e o exercício da advocacia, tanto em seu ministério particular como no âmbito da sociedade brasileira.
O mundo passou por uma guerra mundial, por diversos conflitos de ordem ideológica, por comoções de todas as naturezas, e a Ordem seguiu cada vez mais viva no transcorrer das décadas de 40 a 90, até meados da primeira década deste novo milênio. Viva no sentido de se multiplicar em atividades necessárias a justificar seu amplo espectro de entidade-modelo em ética, seriedade e independência, desdobradas nas esferas Federal , Estadual e Municipal, determinando com reiterado pioneirismo o firme e sólido propósito de implantar e depois resguardar o sistema livre e democrático para os brasileiros, mesmo às custas de ter que enfrentar poderosíssimos inimigos da liberdade, da retidão, da ética, que jamais se conformaram em aceitar os postulados de uma sociedade livre e aberta.
Essa historia era fadada a continuar sem interrupções. Essa historia merecia que a Ordem fosse sempre respeitada e venerada por seus nobilíssimos princípios, fosse por quem fosse que a representasse no decurso das últimas seis décadas, merecia que os advogados a honrassem com postura individual e coletiva a expressar a valorização de profissão e, por inafastavel conseqüência, a valorização e o respeito à cidadania e suas instituições.
No entanto, considerando o atual panorama da entidade, notadamente em relação à Seccional Paulista , observamos que há serio risco dessa historia sofrer indesejável e desastrosa interrupção. Há poucos anos vem crescendo dentro da Ordem de São Paulo uma nefasta filosofia individualista, que primordialmente premia interesses pessoais e não raramente ligados à política partidária, de cujas garras de influencia sempre a Ordem se manteve adequadamente afastada em razão da imprescindível independência que deve manter de forma intransigente, para cumprir seus desígnios desassombradamente, sem nenhum favorecimento ou constrangimento que a apequene e a vulgarize, desonrando assim seu irretocável passado de lutas, glorias e inconteste liderança no cenário brasileiro.
Cresce o risco, também, da perda da independência não somente em relação à política geral e seus partidos e/ou tendencias, mas também em relação ao ensino jurídico, tema de tal importância e gravidade que reclama volte a Ordem a tratar com isenção e salutar distancia rigorosamente isonômica todas as escolas de Direito que produzem a cada ano maior número de bacharéis que devem se submeter a seu crivo qualitativo para ingresso na advocacia. Comprometendo-se essa isenção, penaliza-se a lisura do Exame de Ordem, ainda fonte vital para a seleção de profissionais advogados. Em suma, cumpre à Ordem fazer muito menos homenagens pontuais e direcionadas escancaradamente às preferências menores de seus atuais dirigentes e muito mais exigências de aprimoramento dos cursos jurídicos com as necessárias críticas construtivas a todos os que, direta ou indiretamente, são responsáveis pela qualidade do ensino, sejam de entidades públicas ou particulares.
À Ordem também cabe, tradicionalmente, ser a porta-voz da sociedade em todas as reivindicações de seu interesse. Não pode, portanto, em absoluto, em nenhuma hipótese, estar direta ou indiretamente vinculada a qualquer ente político, seja partido ou entidade ligada a qualquer ente governamental, sob pena de perder sua independência que a conduz, historicamente, à plena e irrestrita capacidade de crítica que sempre a manteve nos píncaros da confiabilidade de todos os setores sociais e individuais dos brasileiros.
A marchar como vem ocorrendo, em direção a perigosa ligação com determinada facção político-partidaria, a Ordem não mais terá sua vetusta autoridade de defender amplamente os legítimos interesses da sociedade e da cidadania, assim como já é saudoso o grande respeito que o Poder Judiciario de São Paulo sempre devotou à entidade dos Advogados, agora também comprometido em razão da absoluta falta de representatividade junto às diversas Cortes judiciais.
A Ordem não pode deixar de ser importante no espectro multifacetado da sociedade brasileira. Por mais diferentes e específicas que sejam as diversas formas de expressão social, cultural religiosa e política, a OAB-SP sempre foi o orgulho de todas as camadas populacionais de nosso estado, porque sempre esteve presente na defesa das instituições, sem pejo faccioso ou preferência por qualquer das diretrizes políticas que acontecem e aconteceram em sua quase octogenaria existência.
A continuar a nociva tendência, a Ordem deixará sua grande e tradicional importância nos arquivos secundários dos que dela se aproveitaram para alçar vôos nada compatíveis com os destinos dos advogados e de sua entidade representativa.
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