Verbas da Saúde que faltam ao atendimento básico financiam academias e gastos de custeio
Regina Alvarez (regina.alvarez@bsb.oglobo.com.br)
BRASÍLIA - No momento em que se discute a criação de mais um imposto para financiar a Saúde Pública, recursos destinados às despesas com o atendimento médico básico, universal e gratuito à população, em especial às parcelas de menor renda, estão sendo aplicados em outros fins. Assim como estados e municípios, que já foram acusados de maquiar os orçamentos da Saúde, o governo federal também contabiliza no Piso Nacional da Saúde despesas que deveriam ser custeadas por outras áreas e que, em alguns casos, são consideradas ilegais.
Um exemplo emblemático e questionado por especialistas são as duas mil academias de saúde que serão construídas com o mesmo dinheiro que vai para os hospitais públicos - onde pessoas ainda morrem nas filas e falta material.
O Ministério da Saúde reservou no orçamento deste ano R$ 143 milhões para o projeto das academias. E R$160 milhões na proposta de 2012 dentro do programa de Reestruturação da Rede de Serviços de Atenção Básica de Saúde. Até 2014, a meta é construir quatro mil academias.
Com os recursos do Piso, um orçamento que este ano soma R$ 71,5 bilhões, o governo federal só poderia custear despesas genuinamente de Saúde, conforme estabelecido na Emenda Constitucional 29, que definiu os gastos mínimos da União, estados e municípios com o setor.
Piso inclui despesas médicas de servidor
Outro dado que chama atenção no Orçamento da Saúde é o peso dos gastos administrativos para custear o funcionamento da máquina pública nessa área. Até setembro, já foram gastos R$ 5,4 bilhões com "apoio administrativo", a maior parte na sede do ministério, em Brasília, e nas sedes dos órgãos que estão sob o comando da pasta nos estados.
Dentro desses gastos com "apoio administrativo", estão embutidos despesas com assistência médica e odontológica aos funcionários da área e a seus dependentes (R$ 212,8 milhões), auxílio-alimentação (R$ 230 milhões), auxílio-transporte (R$ 50,9 milhões) e até assistência pré-escolar (R$ 5,9,7 milhões).
O médico Gilson Carvalho, especialista em Saúde Pública e consultor do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde, considera totalmente irregular a inclusão de despesas médicas com funcionários no piso da Saúde.
- Gastos com serviços próprios de saúde com o funcionário é um gasto, além de imoral, ilegal. Nada tenho contra a saúde dos trabalhadores, mas não posso diminuir dinheiro da saúde da população para pagar um sistema próprio de saúde para os trabalhadores. Além disso, tem resolução do Conselho Nacional de Saúde que proíbe isso - destaca o especialista.
Carvalho também considera indevido o piso constitucional custear as despesas com as academias de saúde. O programa é muito parecido com o das Praças do PAC, que tem cerca de R$ 300 milhões reservados no orçamento do Ministério da Cultura de 2012. Ou seja, as academias poderiam ser custeadas pelo dinheiro do PAC.
- É uma ação que entra no grupo dos condicionantes e determinantes de saúde, e não uma ação específica da Saúde. O papel da Saúde seria cobrar das outras áreas que investissem em academias, esportes e lazer para diminuir o risco de doenças - afirma Carvalho.
As academias são espaços para atividades físicas, esporte, cultura e lazer que o Ministério da Saúde pretende construir em parceria com prefeituras até 2012, com recursos do Sistema Único de Saúde (SUS). O governo alega que as academias são uma grande contribuição para a prevenção de doenças crônicas como diabetes e hipertensão. O desenho das academias prevê construção de playgrounds, quadras poliesportivas e até rampas para skate.
Pela regra do Piso Nacional, o governo deve gastar a cada ano o equivalente ao valor empenhado (contratado) do Orçamento do ano anterior, mais a variação nominal do Produto Interno Bruto (PIB). Como não pode contingenciar os recursos do setor, o governo tem usado a caneta para transferir despesas de outras áreas para o Ministério da Saúde.
Esse é o caso das despesas com os hospitais universitários, vinculados ao Ministério da Educação e que já recebem recursos para o atendimento de pacientes do SUS em procedimentos de média e alta complexidade.
Entretanto, em 2010, decreto presidencial assinado pelo então presidente Lula determinou que as despesas desses hospitais passassem a ser divididas, meio a meio, entre os ministérios da Educação e da Saúde, para custear o programa de Reestruturação dos Hospitais Universitários. Com isso, entre 2010 e 2012 (proposta orçamentária), os recursos destinados a esse programa pelo SUS cresceram 500%, passando de R$ 99 milhões para R$ 600 milhões.
O curioso é que o próprio Lula já proibiu essa prática: em setembro de 2005, vetou artigo da Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2006 que permitia o financiamento de despesas dos hospitais universitários com recursos do SUS, alegando que isso acarretaria "diminuição dos recursos destinados ao Ministério da Saúde, colocando em risco a continuidade de ações estratégicas de atendimento à população, como o Programa de Saúde da Família".
Lula destacou no veto que a redução de recursos para a Saúde contraria o espírito norteador da emenda 29, "que prevê anualmente aumentos gradativos de recursos para as ações e serviços públicos de saúde".
O médico Gilson Carvalho destaca que o SUS já paga aos hospitais universitários pelos serviços:
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